Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.
Minha força está na solidão. Não tenho medo nem de chuvas tempestivas nem de grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite.
Que ninguém se engane, só se consegue a simplicidade através de muito trabalho.
Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento.
Enquanto eu tiver perguntas e não houver respostas... continuarei a escrever.
Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero uma verdade inventada.
Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome.
Terei toda a aparência de quem falhou, e só eu saberei se foi a falha necessária.
Quando se ama não é preciso entender o que se passa lá fora, pois tudo passa a acontecer dentro de nós.
Suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato...
Ou toca, ou não toca.
O que verdadeiramente somos é aquilo que o impossível cria em nós.
Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes que aqui caleidoscopicamente registro.
Eu não sou tão triste assim, é que hoje eu estou cansada.
Não se conta tudo porque o tudo é um oco nada.
Fique de vez em quando só, senão será submergido. Até o amor excessivo pode submergir uma pessoa.
Com todo perdão da palavra, eu sou um mistério para mim.
Gosto do modo carinhoso do inacabado, do malfeito, daquilo que desajeitadamente tenta um pequeno vôo e cai sem graça no chão.
A palavra é o meu domínio sobre o mundo.
Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca.
Eu sou mais forte do que eu.
Não tenho tempo pra mais nada, ser feliz me consome muito.
Divertir os outros, um dos modos mais emocionantes de existir.
Clarice Lispector
Clarice Lispector (Tchetchelnik Ucrânia 1925 - Rio de Janeiro RJ 1977) passou a infância em Recife e em 1937 mudou-se para o Rio de Janeiro, onde se formou em direito. Estreou na literatura ainda muito jovem com o romance Perto do Coração Selvagem (1943), que teve calorosa acolhida da crítica e recebeu o Prêmio Graça Aranha.
Em 1944, recém-casada com um diplomata, viajou para Nápoles, onde serviu num hospital durante os últimos meses da Segunda Guerra. Depois de uma longa estada na Suíça e Estados Unidos, voltou a morar no Rio de Janeiro. Entre suas obras mais importantes estão as reuniões de contos A Legião Estrangeira (1964) e Laços de Família (1972) e os romances A Paixão Segundo G.H. (1964) e A Hora da Estrela (1977).
Clarice Lispector começou a colaborar na imprensa em 1942 e, ao longo de toda a vida, nunca se desvinculou totalmente do jornalismo. Trabalhou na Agência Nacional e nos jornais A Noite e Diário da Noite. Foi colunista do Correio da Manhã e realizou diversas entrevistas para a revista Manchete. A autora também foi cronista do Jornal do Brasil. Produzidos entre 1967 e 1973, esses textos estão reunidos no volume A Descoberta do Mundo.
Escreve a crítica francesa Hélène Cixous: "Se Kafka fosse mulher. Se Rilke fosse uma brasileira judia nascida na Ucrânia. Se Rimbaud tivesse sido mãe, se tivesse chegado aos cinqüenta. (...). É nessa ambiência que Clarice Lispector escreve. Lá onde respiram as obras mais exigentes, ela avança. Lá, mais à frente, onde o filósofo perde fôlego, ela continua, mais longe ainda, mais longe do que todo o saber".
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